A Indumentária Feminina e Masculina desde o Século XVI ao XIX

25/01/2014 19:35

A Indumentária Feminina desde o Século XVI ao XIX

Inicialmente será preciso advertir que o primeiro gesto de admiração do índio por gente vestida diferentemente deles, que só usavam tangas e aracoiaba (saiote de penas) acontece com o contato entre eles e o capitão Francisco Orellana em 1541. A partir, portanto, da colonização portuguesa no século seguinte (XVI), é que se inicia uma reviravolta nos costumes, com as famílias colocadas em terras das Capitanias do Cabo do Norte e do Grão Pará. Só conhecemos os tipos de roupas femininas ou por xilogravuras imperfeitas ou pelos tipos de fazenda que a coroa portuguesa mandava distribuir aos colonos, os quais alegavam que suas mulheres e filhas não podiam ir à igreja por não terem “roupas de ver a Deus”. Que tipos de fazendas eram aquelas? Os documentos escritos nos dizem, na sua linguagem indecisa: peças ou côvados de “bertanha” (Bretanha), algodão não curado, chitas lisas, meias grosseiras, nada de sapatos nem de chinelos, somente socos. Para compensar essa míngua de ofertas, o governo autorizava a entrega de novelos de algodão cru, rocas de fiar e um ou outro tear de pedal. Os grandes teares só aparecem na Capitania de São José do Rio Negro, na vigência do governo Lobo de Almada, quando este mandou construir a Fábrica. Fechada esta, a população viu-se a braços com o problema duplo de importar as peças de Belém ou de fiar em casa o pano de algodão. Este último recurso foi o que deu certo e como se vê na foto do século XVIII, em todas as residências haviam fiandeiras, ou contratadas e/ou escravas.

A roca era um aparelho muito simples, constando de uma armação de madeira, dotada de roda grande que era movida a pedal e um rolo na parte superior para enrolar o fio de algodão. Trabalhava-se naquilo o dia inteiro ou em horas de lazer e obtinha-se o material necessário para o tear. Este sim, requeria maior desempenho e cabeça, pois a tecedeira deveria seguir certos padrões convencionais e a partir deles, elaborar seus desenhos próprios, com fios coloridos ou não. O tear não foi introduzido pelo colono, o indígena já o conhecia, pois fazia suas redes de fio de tucum, de trama bem apertada. Existem gravuras em livros de viajantes.

O governo português mais tarde já concedia equipamentos para os colonos, e mesmo chegava a dotar as filhas de família com um arsenal de roupas sofisticadas, daquele modelo que ia transitando do afogado para o amplo. Não dava presentes caros, do tipo jóias, sapatos, adereços feminis. Também as leis suntuárias proibiam que as escravas usassem ouro e brilhantes, sedas e veludos. Daí a grande sortida de colares e pulseiras de contas, aqueles “berenguendens” de que falam os cronistas e que continuam a encantar a mulher, enfeites feitos de sementes de mulungu, de lágrima de Nossa Senhora, com pendentes talhados em caroço de tucumã, e anéis do mesmo, chamados “memória”.

Os primeiros modelos de toalete feminina de que se ocupa a história, sem notícia detalhada, são oriundos do século XVI e foram as saias balão. A partir de um conjunto básico, que constituía a “braga” (calça frouxa apresilhada no tornozelo), anágua, camisa inteira, parapeitos, então sobrevinha a cobertura do colo, com uma blusa. Algumas damas de colo exuberante usavam o corselete e outras o espartilho. Esta peça era tirânica, pois tendia a acochar as banhas, diminuindo o “à vontade” dos movimentos, além de que eram feitas com talas de aço. Depois foram substituídas por barbatanas de baleia. A mulher desse período não usava sapatos de entrada baixa. Ou eram botinas de tacão baixo ou servilhas. As mestiças e escravas usavam o mesmo modelo, mas de pano diferente, algodão. No século dezoito as saias passaram a chamar-se “baroneza”, “veneziana”, ou “saias balão”, por causa do amplo diâmetro da fímbria que arrastava no chão. Quanto à blusa era de decote atrevido, mostrando o nascimento dos seios. O interessante é que para as mulheres mostrar os mocotós era mais ofensa ao pudor que mostrar os seios à Maria Antonieta. Para as mulheres de baixo nível social essa toalete chamava-se “descalça”, porque a mulher não usava calçados nem mesmo servilhas. Em compensação não deixava de trazer uma flor no cabelo, sua garridice. Madame Agassis ilustrou seu livro com o retrato de uma mestiça nesses trajes, mas não se refere ao nome “descalça”. Também nesse período a mulher da Amazônia não usava chapéu. Os cabelos eram armados ou em “torre” (enrolados para cima) ou em coque (popularmente cocó, enrolados na nuca). Atrás da cabeça elas metiam o “trepa moleque”, um pente grande, ornamentado, que ajudava a suspender a mantilha. O penteado podia variar daí para os cachos, os bandós, as tranças enroladas, os xixís. Cabelos soltos e tranças livres só as portuguesas usavam.

O fim do século XIX trouxe Paris para a Amazônia e a indumentária mudou, com o uso e o abuso de grandes chapéus, vestidos de cauda, de uma só peça ou de duas, luvas e mitemes, calças curtas pelos joelhos, sapatos de entrada baixa e salto alto (ou botinas), sutiãs pré-fabricados, mas o uso do espartilho de barbatanas continuou até à década de vinte, mais ou menos, quando ela se libertou das calças (passando a usar calcinhas) e dos espartilhos. Os grandes “abanicos” ou leques eram fabricados no Japão e na Espanha, e certamente tiveram grande influência social nesse período. Os cosméticos é que não faziam parte do seu arsenal de boudoir. Os cheiros e os tônicos eram de origem natural: óleo de mutamba para o cabelo ficar ondulado e negro; patchuli, cumaru, para a roupa. Com a invasão da Europa, os perfumes do tipo kananga do Japão passaram a substituir o regional.

A Indumentária dos Homens dos Séculos XVII a XIX
 

Existem documentos fotográficos e desenhos da indumentária dos homens dos séculos anteriores ao vigésimo, inclusive reproduções coloridas no Dicionário Lello Universal. Embora as reproduções desse dicionário não estejam rigorosamente exatas quanto ao tema universal, eles servem para comparar as modas européias. Mas quase toda gente sabe que até o século dezessete a indumentária dos homens era marcada pelo estado social das classes, que se caracterizavam pela plebe, burguesia (artesãos, comerciantes e clero) e nobreza, ou simplesmente povo e nobreza. Àqueles não era conferida a autorização para usar espada, a menos que fossem militares. E aos burgueses do tipo comerciantes conferia-se o direito de usar espadim ou espada de salão, uma arma imprópria para duelo. A indumentária dessa gente podia ser muito simples, constituída de calções justos presos nos joelhos e camisa fechada no pescoço e de mangas compridas, com uma gravata larga do tipo corrugado. A fazenda variava da gabardine para o algodão cru. Chapéu sem plumas ou gorro. Os nobres, ao contrário, caprichavam na toalete, quase efeminada com laçarias, pérolas, pedras preciosas, bordados a prata e a ouro, e brincos (penduricalhos) de ouro e prata.

Alguns mais atirados imitavam os orientais e usavam argolas no septo nasal.As roupas eram bastante coloridas e até se pareciam com as extravagâncias dos mutantes modemos aquelas calças de listas verticais. O uso do colete de seda era mais funcional do que ornamental por causa do clima europeu. Por cima dele se cobriam os fidalgos e nobres com o gibão, de veludo ou de alpaca, que caía pelos joelhos e era aberto para mostrar a camisa de linho curado com botões de pérolas ou brilhantes.

No inventário que fez dos seus bens o governador Lobo da Almada cita essas jóias, inclusive para os punhos da camisa de bofes de rendas. Houve épocas em que não se usou gravata, mas uma gola de pano de cambraia em serpentina (ondulada) e todo retrato de Shakespeare e de reis e imperadores do século XV ao XVI infalivelmente mostra essa moda. Por último o nobre não dispensava a capa. Esta era sempre de cor escura, forrada de vermelho satânico, com nastros para atar no pescoço. Embrulhava-se naquele manto para defender a roupa da poeira, fosse de dia ou à noite. No século seguinte, XVII, a moda exigia uma variação, que era para as cores mais claras, com calções golpeados, ou de gomos coloridos. É uma ressurreição da tradição “Iluminista” na Europa, e até as espadas, que ordinariamente tinham os punhos em forma romana de cruz, passaram a ser tonificadas com os copos lavrados, obras de ourivesaria que, segundo consta, foram enriquecidas pelo mago do cinzel, o italiano Benevenuto Cellini. Nessa época a espada deixa de ser adereço do cinturão para compor o complexo baudrié. E o boldriê ou talabarte, de couro chapeado de prata e ouro, passa a ser um indumento mais suntuário do que funcional, pretexto para encrustar pérolas e diamantes. O escritor francês Alexandre Dumas enriquece a prosápia do seu personagem Porthos, com aquela piada de que o talim do mosqueteiro só tinha fachada, isto é, só era suntuoso na parte da frente, atrás era couro cru, que a capa disfarçava. O chapéu de abas largas requeria uma pluma de avestruz algumas à moda Rubens. E as botas subiam até as coxas, com esporas douradas. A moda dos príncipes e fidalgos muda com a Comuna de Paris. As calças descem sobre as botinas, o gibão se transforma em paletó e a gravata num pano colorido atado ao pescoço. O antigo chapéu de plumas diminui as abas e passa a ser chamado tricórnio ou bicórnio, conforme tenha dois ou três bicos. Um retrato oficial de Napoleão Bonaparte mostra essa invasão da nova moda. A calça continua sendo chamada “de alçapão”, porque tem a braguilha em forma de triângulo, abotoada por três botões, a fim de facilitar o trabalho fisiológico. Mais tarde o chapéu passa a ser cartola ou “chapéu alto” de pêlo de castor. O colete continua porque é funcional. A camisa branca recebe punhos de renda como antigamente e os botões são mimos de pedras preciosas. Mudam os nomes também: o paletó desce até os joelhos e se chama, via de regra, jibão ou véstia. Sobre ele podia usar-se o sobretudo O colete passa a ser fiuncional, para o uso do cebolão (relógio de algibeira, maior que o comum e de espessura maior) e para a corrente do palito de dentes.


Este último implemento não era de uso entre os homens de “alto coturno”, mas os comerciantes portugueses não relaxavam no seu uso e abuso. Os homens usavam “ceroulas”, uma calça longa que se amarrava nos tornozelos. Mais tarde é que passou a ser curta, pelos joelhos. A gravata, no início, era de couro, principalmente para os militares. Depois passou a usar-se o plastron, uma gravata já pronta que se atava ao pescoço ou a de “laço de clow”, uma tira larga de pano a que se dava uma laçada cujas pontas ficavam flutuando. Geralmente os artistas é quem mais adotavam este modelo . O sapato não era nacional. Vinha da Inglaterra ou da América do Norte e havia marcas famosas como a Walk-Over. Os dandis usavam sobre o borzeguim uma capa de gabardine cinza chamada polaina. Não havia ainda sapato de entrada baixa somente botinas de cano alto, e algumas de elástico na zona do tornozelo, e botas. Para fechar havia duas modalidades: ou torçais ou grampos Para estes era necessário o uso do “gancho”, um estilete de ponta dobrada, que apanhando o botão do sapato, trazia-o para a casa. O tratamento da cara era chamado “afeitação”, e quando o homem possuía barba completa, isto é, barba e bigodes juntos com suíças, denominava-se “barba passa piolho”. Se a barba era em ponta como a do coronel Ramalho, chamava-se ainda cavanhaque, nome do inventor. E o montinho de cabelos que o coronel Antônio Bittencourt portava sob o lábio inferior, mosca. Quando em ponta e curta era ‘pêra”. O bigode era trazido à moda d'Artagnam, espichado e fino e à moda Kaiser, dobradas as pontas para cima; à “marechal Hindembourg”, grosso e de guias retorcidas. Havia um aparelho de pano que se colocava em cima dos bigodes, para mantê-los firmes depois de encerados, era o “porta bigodes”. Por fim a bengala, que se usou muito nos séculos anteriores, porém mais altas. Havia as de “espeque”, arma perigosa na mão de adversário instintivamente mau. Se o inimigo prendesse a parte inferior, o portador puxava e tinha nas mãos meio metro de ferro afiado. A bengala de honra era a de castão encrustado a ouro com monograma cinzelado. A madeira variava do pau Brasil muito dura e resistente para mogno, freijó, cedro, muirapinima, piranheira, acapu. Foi a arma utilizada nas campanhas eleitorais do passado, nas vinganças solertes, nas tocaias.

Foi a arma com que o dr. Artur César Ferreira Reis castigou o jornalista e professor Carlos Mesquita. Foi a arma com que o coronel Bittencourt mandou sovar o jornalista João Barreto Meneses e o jornalista português Fran Paxeco.


Fotos do anúncio da Maison Francesco Luzzato. Álbum Descritivo Del Pará, 1898.

Fonte: Biblioteca Virtual do Amazonas