Crônica Romântica de Adeus ao Roadway

26/03/2014 17:28

Escrito por Pe. Luís Ruas 

 

Posto que, sendo porto, 
Sempre foste caminho de partida 
Ou barco de ferro e pinho 
Que os ingleses ancoraram 
Nas margens do rio Negro.

Era "roadway" britânico caminho 
Flutuando 
Nas índias águas do rio 
Que viu, espantando, surgir 
No meio da selva bruta 
Onde ainda ecoavam nítidos 
Os rudes sons dos Manaus, 
Uma clareira de sonhos, 
De látex e de libras esterlinhas.

Foste "roadway" e ródo"

Mas, posto que sempre foste 
Porto - caminho de partida 
Também foste caminho de chegada. 
(De chegada mais, talvez, que de partida). 
Pela ponte de pinho 
Louro e de negro ferro 
Legiões de marujos desfilaram 
E de artistas, empresários e turistas 
De além - mar chegados, fascinados 
Pelo encanto da floresta - mãe 
Onde se arrancava da tetas vegetais 
O leite branco que se mudava em ouro 

Francesas, espanholas e polacas, 
Para gozar nas camas dos bordéis 
O ouro fácil em que se transmudara 
o sangue, o suor, a febre delirante 
Dos seringueiros - párias do Nordeste. 

E foi por tua ponte flutuante 
Que chegaram as "levas" nordestinas 
Dos "brabos" , dos "soldados da borracha" 
Que seguiam encantados, enganados, 
Para os :"centros" - distantes seringais 
Do Purús, Acre, Madeira e Juruá 
Onde findavam - finavam - escravizados. 

Passarelas de dor e sofrimento! 
Passarela de luxo, amor e sonho! 
No teu ritmo binário que acompanha 
O ritmo binário deste rio 
Que todo ano sempre sobe e desce, 
Também foste termômetro da morte 
e da vida que todas as enchentes 
E vazantes ofertam fatalmente 
Aos homens e as mulheres ribeirinhos 
E às roças e animais da várzea. 

Mas, que importa! Ficaste, Flutuante 
Lembrança de um tempo que ficou, 
também, em vários outros monumentos 
Erguidos sobre as bases do martítio 
De milhares, devorados pela selva 
E pela ambição do lucro fácil. 

Que importa! 
Ancorado ficaste tanto tempo 
Mas, também, nas páginas da história 
de um povo que, aqui nesta cidade 
Dos extintos Manau sempre viveu 
A longa espera de um amanhã melhor. 

Caminho da terra para a água; 
Caminho da cidade para o rio; 
E caminho do rio para o mar; 
No macio balanço da tua ponte 
Todos nós de Manaus, em ti, deixamos 
Uma pegada da vida que partimos 
Dentro em pouco será simples lembrança, 
Pois, tuas linhas arquitetônicas serão 
Destruídas, apagadas, distorcidas 
Em nome de um progresso que une poucos 
Gozarão. Toda a história se repete. 

"Roadway"dos ingleses engenheiros 
Ou "ródo" dos caboclos de Manaus! 

Aqui fica este adeus de quem te viu, menino 
E, por ti - uma vez - partiu sonhando 
Os mais belos sonhos que que sonhar eu pude. 
Adeus, velho roadway flutuante, 
Docemente embalado pelos rítmos 
Das morenas águas do rio negro. É 
Chegado teu fim. Exige-a assim 
este rude imperativo do progresso. 
Mas, em mim, como te vi, hás de ficar; 
Dourado pelos raios do sol quente 
Ou banhado pelas pratas do luar. 

O presente texto decorre do original localizado nos arquivos da Secretaria de Estado da Cultura, Turismo e Desporto (1999). Julga-se ser primeira edição e serve para homenagear o ilustre religioso, professor, escultor e filósofo.